Em primeiro plano, a capitania de São Vicente e, ao fundo, a Vila de São Paulo sobre o planalto. A região do Ipiranga era passagem obrigatória no deslocamento entre as cidades. Mapa de João Teixeira Albernaz, 1631. Domínio público, Mapoteca do Ministério das Relações Exteriores.

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Da colonização à Independência, principais características e acontecimentos

Segundo o tupinólogo João Mendes de Almeida Jr., o nome “Ipiranga” refere-se a “leito desigual e empinado”. Refere-se à região delimitada pela várzea do rio Tamanduateí, constantemente inundada, e pelos centros urbanos do Cambuci, São Bernardo e Jabaquara, que até metade do século XIX compunham o entorno da região. Até então, o Ipiranga caracterizava-se como uma vasta região ocupada por campos e pequenas fazendas, geralmente utilizado por viajantes e tropeiros como rota entre a Vila de São Paulo e o porto de Santos, no litoral paulista.

Obra “Independência ou Morte”, de Pedro Américo, representa a visão idealizada da proclamação da Independência do Brasil pelo príncipe regente, Dom Pedro I. Óleo sobre tela, 415 cm x 760 cm, Pedro Américo, 1888. Acervo do Museu Paulista da USP, São Paulo.

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A presença do então príncipe regente Dom Pedro I em São Paulo em 7 de Setembro de 1822 se dava por conturbações de ordem popular e política. Segundo os estudos de Máximo Barro e Roney Bacelli (1979), é durante o retorno da viagem ao porto de Santos rumo à cidade de São Paulo que a comitiva do Príncipe é interceptada por um correio da Corte. Frente à exigência de revogação das medidas implantadas no Brasil e o retorno do príncipe regente à Portugal, Dom Pedro I proclama a Independência. A cena de heroísmo é fortemente presente no imaginário coletivo nacional, tendo sido retratada em telas e monumentos – a obra de Pedro Américo, “Independência ou Morte”, é uma das obras de maior destaque no Museu do Ipiranga.

Crescimento da cidade e construção dos monumentos

Graças a este evento, começa-se a discutir a construção de um monumento celebrativo no local já em 1823. Um ano depois, ainda sem a construção do monumento, vereadores da capital solicitam a transferência do futuro monumento para o centro da cidade, pedido que é negado pela Coroa. O desinteresse dos paulistas com a construção do monumento preocupou vários historiadores:

“Tentando reparar o descaso da Câmara paulista que nada mais fez, a do Rio de Janeiro se propõe a iniciar uma subscrição nacional para a edificação do monumento (...). No ano seguinte a muito custo consegue-se estaquear os alicerces do lamentável projeto comemorativo. Constaria de uma base quadrada com 13 metros cada lado. Uma escadaria de 14 degraus levava a um cone que ficaria a 14 metros do solo. O resto da decoração era ainda mais lamentável” (BARRO; BACELLI, 1979, p. 33).

A construção do monumento sob tais condições nunca foi concluída, tendo restado somente a base de assentamento. No entanto, ao longo das décadas seguintes, o assunto é deixado de lado, tanto pela alegação da falta de recursos por parte do governo, quanto pela indefinição a respeito do monumento a ser construído.

Primeiro projeto do Monumento à Independência. Autor desconhecido. Extraído de: BARRO; BACELLI, 1979, p. 35.

Projeto do arquiteto Bezzi para o edifício-monumento, 1882.Elevação frontal. Acervo: Fundo Bezzi, Museu Paulista da Universidade de São Paulo (MP-USP). Reprodução fotográfica: Hélio Nobre e José Rosael.

Com o crescimento da cidade de São Paulo, impulsionado sobretudo pelo sucesso advindo da cafeicultura e as instalação e expansão da ferrovia no Estado, o bairro do Ipiranga passa a receber maior destaque, dada sua posição estratégica entre o porto e a capital. É loteado em 1877, de modo a estruturar sua ocupação, com a implantação de vias e futuras construções. As discussões a respeito da edificação de um monumento no bairro se mantiveram até 1881, quando, por fim, o governo recorre a loterias para arrecadar dinheiro para o projeto. Naquele momento, segundo o historiador Taunay, estava decidido que o alto da colina do Ipiranga deveria ser ocupado com uma obra arquitetônica de grande esplendor, para sediar um estabelecimento de educação e instrução. Por fim, o projeto do arquiteto italiano Tommaso Gaudenzio Bezzi é escolhido e as obras têm início em 1885, sob supervisão do mestre de obras também italiano Luigi Pucci.

Edifício-monumento após a inauguração e jardim fronteiriço, projetado pelo belga Arsène Puttemans em 1907 e inaugurado em 1908. Autor desconhecido, c. 1910. Acervo: Fundo Bezzi, Museu Paulista da Universidade de São Paulo (MP-USP).

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Nos mapas elaborados pela Prefeitura Municipal no início do século XX, o bairro e o Museu do Ipiranga (então Museu do Estado) são constantemente destacados e é notável a ocupação incipiente das quadras por construções de pequenas dimensões, denotando uso predominantemente residencial da região.

“Planta Geral da Cidade de São Paulo” em 1905 e recorte do bairro do Ipiranga. Recebem destaque no mapa as edificações: Asilo Bom Pastor, Monumento do Ipiranga (Museu do Estado), Colégio Nossa Senhora Auxiliadora, Orfanato Christovam Colombo e a Estação Ipiranga da São Paulo Railway.

Fonte: Acervo CESAD/FAU-USP.

“Planta Geral da Cidade de São Paulo” em 1916 e recorte do bairro do Ipiranga. Recebem destaque no mapa as edificações: Asilo Bom Pastor, Museu do Estado e o Orfanato Christovam Colombo. São também realçados os lotes ocupados.

Fonte: Acervo CESAD/FAU-USP.

Poucos anos após a inauguração do Museu do Ipiranga, é lançada a concorrência para a construção do monumento da Independência, em 1917. O concurso é polêmico, tendo sido criticado pela escolha do projeto de menor aprovação entre a sociedade, afora a falta de recursos para sua finalização. O projeto do escultor italiano Ettore Ximenes é selecionado pela comissão, conquanto passasse por modificações para incluir figuras e elementos representativos da história nacional. O conjunto escultórico é inaugurado em 1922, durante as celebrações do Centenário da Independência.

Monumento comemorativo ao centenário da Independência, São Paulo. Autor desconhecido, setembro de 1931.

Fonte: Acervo Iconográfico do Arquivo Nacional, Fundo Fotografias Avulsas.

Vista do edifício-monumento a partir do jardim, projetado por Félix Émile Cochet em 1913 e inaugurado em 1923, no contexto das comemorações para o Centenário da Independência. Autor desconhecido, setembro de 1931.

Fonte: Acervo Iconográfico do Arquivo Nacional, Fundo Fotografias Avulsas.

Crescimento e transformações do bairro do Ipiranga

No decorrer dos anos seguintes, há um progressivo crescimento ocupacional do bairro, que passa a contar com fábricas e comércios, para além do uso predominantemente residencial. Com a mudança nos modos de locomoção urbana em toda a capital, e sobretudo com a crescente instalação da rede elétrica, torna-se necessária a readequação das vias, com alargamentos e instalação de paralelepípedos e de trilhos naquelas de maior importância comercial e residencial. No bairro do Ipiranga, isso ocorreu no entorno imediato do Museu e do Parque; destacando-se neste contexto a abertura da Avenida Dom Pedro I, planejada para descortinar a vista para o conjunto para quem vinha do centro da cidade em direção ao bairro.

Bairro do Ipiranga e seu entorno em levantamento feito pela empresa SARA-Brasil, entre 1928 e 1933. Ao centro, o conjunto do Parque do Ipiranga recebe destaque. A ocupação industrial ocorre de forma mais proeminente nas proximidades da linha férrea da São Paulo Railway, em contraposição aos lotes de menores proporções, esparsos pelo bairro.

Fonte: Mapa Digital da Cidade de São Paulo, Geosampa.

É também nas imediações do conjunto onde foram construídas residências de luxo, em sua maioria encomendadas por imigrantes ligados à industrialização da cidade. É o caso da família Jafet, de origem libanesa, que, além de instalar no bairro a Companhia Fabril de Tecelagem e Estamparia “Ypiranga”, foi responsável pela construção de diversos palacetes e mansões para os membros de sua extensa família.

Anúncio da Companhia Fabril de Fiação, Tecelagem e Estamparia Ypiranga, da família Jafet.

Palacete de Basílio Jafet, conhecido como Palácio dos Cedros, em álbum de 1928. Acervo do Museu Paulista da USP, São Paulo.

A partir da década de 1950 há um aumento demográfico significativo em toda a cidade, que se expande gradualmente até atingir suas bordas. De subúrbio, o bairro do Ipiranga passa a ser considerado bairro central, tornando-se, nas décadas seguintes, um “microcosmo” da capital (BARRO; BACELLI, 1979, p. 65). Com a proliferação de edifícios residenciais em altura na vizinhança do Parque, comprometendo a configuração espacial da colina do conjunto do Ipiranga na malha urbana, determina-se a proibição de arranha-céus em seu entorno.

É neste contexto que, em 1969, são iniciadas as discussões a respeito do tombamento do Parque da Independência, compreendendo o Monumento à Independência, a Casa do Grito e o Museu Paulista, com seus jardins e bosques. Poucos anos depois, em 1972, ocorrem as celebrações do Sesquicentenário da Independência, contando com uma série de atrações no bairro e um espetáculo de Som e Luz.

Espetáculo de Som e Luz, com projeções no Museu do Ipiranga, durante as comemorações do Sesquicentenário da Independência. Autor: Ruy Costa, 1972. Acervo do Arquivo Público do Estado de São Paulo – Memória Pública.

O reconhecimento do conjunto do Ipiranga pelos órgãos de preservação ocorre em 1975, com o tombamento do Parque da Independência em nível estadual pelo CONDEPHAAT – Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (Processo nº 08486/69). Em 1991 é tombado ex-officio pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Resolução nº 05/91) e enfim inscrito nos Livros dos Tombos de Belas Artes, Histórico, e Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico pelo IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, em 1998 (Processo nº 1348-T95).

Principais referências:

BARRO, Máximo & BACELLI, Roney. Ipiranga. Série: História dos Bairros de São Paulo. São Paulo: Divisão do Arquivo Histórico / Departamento do Patrimônio Histórico / Secretaria Municipal de Cultura, 1979.
BRUNO. Ernani da Silva. Histórias e Tradições da cidade de São Paulo (4 vols.). São Paulo: Hucitec, 1984.
CONDEPHAAT. Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico. Processo de Tombamento n. 08486/69, Parque da Independência – Ipiranga. São Paulo, Resolução de 02/04/1975.
OLIVEIRA, Cecília Helena de Salles. O Espetáculo do Ipiranga: medições entre história e memória. Tese de livre-docência, Museu Paulista – USP, São Paulo, 2000.
PORTA, Paula (org.). História da Cidade de São Paulo: a cidade no Império 1823-1889, v. 2, São Paulo: Paz e Terra, 2004.
SALMONI, Anita; DEBENEDETTI, Emma. Arquitetura Italiana em São Paulo. São Paulo: Editora Perspectiva, 1981.
TOLEDO, Benedito Lima de. São Paulo: três cidades em um século. São Paulo: Cosac Naify, 2004.